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ARTIGO: O que Jesus pensava sobre o porte de arma para seus seguidores

Justificar o armamento da população hoje em nome da Bíblia, é fazer uma leitura fundamentalista que não resiste a uma boa análise das Escrituras e nem da realidade atual.

19/05/2021

Diante do atual cenário de violência, muitas pessoas acreditam que a solução é facilitar o uso de armas para os cidadãos. Um número expressivo de católicos, e pessoas de diferentes igrejas, busca justificativa para o porte de armas na Bíblia. Para esclarecer o ensinamento bíblico sobre o assunto, tomarei como referência o ensino de Jesus, uma vez que nele encontramos a perfeição da lei antiga, ora caduca com a nova aliança estabelecida pela sua morte e ressurreição (cf. Mt 5,17; Gl 2,16; 3,23-24; Hb 8,13).

Por ocasião da última ceia, Jesus advertiu que “virão tempos difíceis, de modo que quem não tem uma espada deverá vender a capa e comprá-la”. Imediatamente os discípulos responderam: “Aqui temos duas espadas” (Lc 22,36-38). A frase de Jesus era certamente simbólica, tal como a gente no dia a dia afirma: devemos estar bem armados para tal discussão. Todavia, os discípulos de Jesus tomaram sua palavra de modo literal. E graças a essa confusão, deduzimos que o grupo tinha ao menos duas espadas.

Por ocasião da condenação de Jesus, os quatro evangelistas contam que um discípulo sacou a espada e cortou a orelha do servo do sumo sacerdote (cf. Mc 14,47; Mt 26,51-54; Lc 22,49-51; Jo 18,10-11). A informação nos indica que ao menos um discípulo de Jesus trazia consigo a espada. Afinal, na época, o porte de armas era comum para autodefesa, pois não existiam casas seguras, nem comunicação e tecnologias que favorecessem a proteção das pessoas. Além disso, existia uma carência de policiais e leis que beneficiassem o cidadão, como temos hoje.

Ademais, era frequente a presença de assaltantes nos povoados e beiras de estradas, conforme atestam os evangelistas (cf. Mt 6,19; Lc 10,30;12,33.39; Jo 10,1.10). Como homens rudes do seu tempo, os discípulos se comportavam tal como as demais pessoas.

Todavia, uma leitura atenta nos permite concluir que Jesus se opôs ao uso de armas. Quando enviou os discípulos para pregar nos povoados, ordenou que para defesa pessoal não levassem nada “exceto um bastão” (Mc 6,8). Essa admoestação sugere que o grupo estava acostumado a carregar espada, porém agora, Cristo lhes pede, ao menos quando vão evangelizar, para que evitem quaisquer sinais de violência, e somente os autoriza a levar um bastão, para se defenderem de possíveis animais selvagens.

Os evangelistas apresentam Jesus como um mestre “manso e humilde” (Mt 11,29), que pregou a paz (cf. Mt 5,9), que mandou dar outro lado do rosto a tapa (cf. Lc 6,29), que proibiu a vingança (cf. Mt 5,39), que morreu perdoando seus assassinos (cf. Lc 23,34). Mas seu maior protesto contra o uso de armas aparece no contexto da sua condenação. No evangelho segundo Mateus, Jesus repreendeu um dos seguidores por sacar a espada e cortar a orelha do servo do sumo sacerdote: “Guarda tua espada no seu lugar, pois todos que pegam a espada, pela espada perecerão” (Mt 26,52). Lucas nos informa que Jesus, além de condenar o discípulo que sacou a espada, curou o algoz: “Deixai! Basta! E tocando a orelha, curou-a” (Lc 22,51). Por sua vez, João informa que foi Pedro quem sacou a espada e feriu o servo do sumo sacerdote, sendo repreendido pelo Senhor: “Jesus disse a Pedro: ‘Embainha tua espada. Deixarei eu beber o cálice que o Pai me deu?’” (Jo 18,11).

Justificar o armamento da população hoje em nome da Bíblia, é fazer uma leitura fundamentalista que não resiste a uma boa análise das Escrituras e nem da realidade atual. Em primeiro lugar, porque os estudos apontam que os cidadãos do bem tendem a sofrer mais assassinatos quando mostram estar armados. Em segundo lugar, porque armas em casa favorecem acidentes; e com a violência doméstica crescente, favorecem mortes em família. Em terceiro lugar, porque mais armas significam mais violência em todas as esferas. O ideal é armar a população com o acesso à educação e à cultura.

Padre Gilson José Dembinski

Parapsicólogo, pós-graduado em Teologia Bíblica, Ensino Religioso e Psicologia Pastoral

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